Cânion 5 Diamantes
Um desafio, uma madrugada, uma grande jornada
por
Sanner Moraes
13/5/2020

Em um cânion dessa envergadura e desse nível técnico, o ideal é que estivéssemos em uma equipe mais enxuta, o que evitaria atrasos que um grupo maior, por natureza, causa.

Meu dupla e eu estávamos na condição de supervisores/mentores de 5 atletas recém formados em um curso de nível avançado, que maturavam suas técnicas nessa aventura.

O ponto de encontro foi a cidade de Passos/MG e o atraso na saída foi inevitável. A fazenda que iria nos receber às 7h me contatou informando que só poderia abrir suas porteiras às 9h. Ao chegar, um dos integrantes preferiu não entrar no cânion, já imaginando os problemas causados pelo atraso, e ficou como apoio na base.

Repassamos a logística num briefing, subimos a estrada em 2 veículos 4x4, ficando um na entrada do cânion e o outro regressando à base para monitorar nossa progressão através do dispositivo de satélite/GPS.

Rapel #1, o desnível com inclinação à direita é um grande desafio pois joga o atleta para fora da linha de descida | Foto: arquivo pessoal

Já eram 12h15min quando de fato entramos no cânion e foi iniciado o primeiro trabalho de corda, num total de 9 (rapéis) e alguns corrimãos de acesso.

Dia ensolarado de outono, atmosfera quente e água fria. Esse cânion apresenta uma característica geomórfica bem peculiar, o que dificulta muito a progressão nos trechos em que utilizamos cordas. Seu leito tem desníveis com rampas de 45 graus verticais e 20 graus de inclinação horizontal, à direita. As rampas fazem com que não consigamos apoiar o nosso peso por completo, nem na corda e nem nos pés. A força da água nos passa uma rasteira e a maioria dos rapéis são cruzando as margens.

Seguimos em um bom ritmo no início, mas o grupo começou a ficar mais lento nos trechos mais confinados e estreitos, onde a pressão do caudal d’água aumenta.

Nesse estreitamento, um dos trechos de que mais gosto, a luz do dia já perdia força. Ainda (ou já) eram 15h, estávamos no rapel #6, tínhamos progredido no máximo 1/3 da extensão confinada do cânion e faltava muita coisa pela frente.

Ao chegar ao desnível do rapel #8, um dos integrantes e eu optamos por fazer um salto de 8 m, enquanto o restante do grupo optou por transpor esse obstáculo com corda. Nesse ponto do poço, pude perceber que o caudal d’água estava mais forte do que o comum para um outono. Tive também a certeza de que sairíamos à noite. Somente meu dupla e eu conhecíamos esse cânion, pois estávamos na ocasião da conquista. Não sei se isso era uma vantagem ou não, pois eu sabia o quão sofrida seria a continuação desta jornada enquanto o restante do grupo, não.

Sanner observando o poço de recepção e calculando o salto de 8 m | Foto: arquivo pessoal

O cânion começa a mostrar suas características mais aquáticas: poços com correntes que arrastam e que terminam abruptamente em quedas com risco de eject do atleta e deságue das quedas com refluxos. Eu ia à frente com auxílio de um saco resgate (daqueles que se usam em esportes de águas bravas) para verificar e abrir a progressão. Numa dessas, a corrente estava forte e, com bastante adrenalina, consegui chegar à borda de um eject, subir em uma pedra para sair da ação de arrasto da água e saltar. A equipe passava depois, auxiliando meu dupla, que era o último.

Chegamos a um dos desníveis mais perigosos deste cânion. Um tobogã em canaleta, com águas e curvas fechadas para os dois lados em sua extensão, com contracorrente, uma marmita lateral e refluxo no seu deságue.  

Da vez mais recente em que havíamos passado por ele, já à noite, tivemos que escalar uma parede de 12 m, instalar uma ancoragem e descer de rapel após o término desse refluxo. Mas desta vez, ainda havia um restinho de luz do dia e, como o rapel demoraria mais, optei por prosseguir pelo tobogã.

Após o rapel #5 é necessário usar corda para cruzar a margem com uma considerável corrente d'água | Foto: arquivo pessoal

O risco e o medo são maiores para mim. Novamente fui à frente, com auxílio do saco resgate; porém, em determinado ponto, já sendo chacoalhado pela água e já num ponto onde meu dupla não tinha mais contato nem visual nem sonoro, resolvi soltar a corda de apoio e deixar a corrente me levar... Estava forte, mas transponível. A equipe demorou muito nesse ponto. Tempo justificável pelo nível de dificuldade.

A noite chegou e estávamos no rapel #9, o mesmo que em numa situação anterior meu dupla e eu tivemos que fazer um bivaque forçado, pois, na ocasião, era impossível cruzar a margem durante o rapel pois uma rasteira no meio da descida poderia terminar num afogamento.

Mais uma vez, achei que teria que bivacar. Caudal forte e muitos trechos de desescalada com risco de escorregões pela frente.

Já à noite, por volta das 20h, aguardando a grampeação do rapel #9 | Foto: arquivo pessoal

Uma ancoragem que havíamos instalado nesse episódio anterior, após o bivaque e com luz do dia, era a solução para nossa transposição desse obstáculo e continuação do cânion à noite. Mas acessar essa ancoragem era outro risco, já que é bem exposta e com acesso escorregadio. A equipe então teria que instalar um corrimão de acesso e toda vez que necessita-se instalar um grampo, o processo costuma demorar, principalmente à noite.

Uma chuva forte passou pelo cânion e achamos melhor pausar a atividade e nos abrigar. Parecia que não tínhamos escapatória e teríamos que bivacar. Estávamos preparados para isso, mas as temperaturas esperadas eram bem baixas e o desconforto era certo. Aliás, eu já estava com muito frio, pois me encontrava parado, aguardando as ancoragens.

A chuva parou às 20h, uma bela lua cheia apareceu e eu preferi incentivar a turma a continuar.

No último rapel a equipe teve problemas na recuperação da corda. Ela travou e, mesmo montando um sistema de redução para tracionar, não resolveu. Baixa nesse equipamento que tivemos que deixar.

Sanner no rapel #7, sendo necessário muita calma e atenção para não tomar uma rasteira da água | Foto: arquivo pessoal

Seguimos pela madrugada por mais trechos de águas bravas e flutuação por enormes corredores.

Às 3h da madrugada, o cânion se abriu e a lua cheia iluminava com vigor o leito rochoso. Faltava ainda mais de 1 hora de marcha aquática por grandes blocos de rocha e uma temperatura tão baixa que nosso calor, mesmo com o isolamento da roupa de neoprene, condensava atmosfera em vapor.

Nossa referência de saída chega e iniciamos uma árdua subida em mata fechada, com samambaias que dificultavam ainda mais nossa ascensão, sem trilha, apenas por referência. A progressão nesse trecho foi muito lenta, já estávamos muito cansados e tivemos que fazer várias paradas. Havia se passado 1 hora de subida quando por fim acessamos a estrada. Eram 5h da manhã, todos muito cansados, e o carro ainda estava 2 km estrada acima.

A primeira luz do sol raiou e estávamos na sede da fazenda nos encontrando com nosso amigo que ficou nos monitorando.

Foi uma aventura intensa!

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