Introdução à Fotografia de Natureza – Parte 2
Tipos de Câmeras
por
Al Andrich
16/7/2023

A fotografia de natureza é uma das formas mais cativantes de arte visual que nos permite apreciar e preservar as belezas do mundo natural. Desde as magníficas criaturas selvagens até as belezas de paisagens e da flora, a fotografia de natureza nos presenteia com vislumbres íntimos e inspiradores da vida em sua forma mais pura e autêntica.

Ao longo dos anos, os avanços tecnológicos têm transformado a fotografia de natureza, abrindo novas possibilidades para os fotógrafos capturarem momentos efêmeros com detalhes impressionantes e cores vivas. Equipamentos de ponta e técnicas inovadoras tornaram possível congelar a ação rápida de animais selvagens em movimento, bem como revelar a beleza oculta de uma paisagem selvagem em uma luz única.

A busca pelo equipamento perfeito é uma jornada essencial para qualquer fotógrafo de natureza. O equipamento certo é uma extensão do olhar do fotógrafo, permitindo-lhe contar histórias visuais poderosas e transmitir emoções através de suas imagens. Mas, com uma ampla gama de câmeras, lentes e acessórios disponíveis, a escolha do equipamento certo pode ser uma tarefa desafiadora.

A escolha da câmera é o primeiro passo crucial para a fotografia de natureza. Câmeras modernas oferecem uma variedade de recursos, mas os modelos com sensores de alta resolução são amplamente preferidos para capturar detalhes finos nas imagens. Sensores full-frame ou APS-C podem fornecer qualidade de imagem excepcional uma vez que os avanços na tecnologia de sensores permitem uma excelente performance, inclusive em ambientes de pouca luz.

Foto © Al Andrich – Todos os direitos reservados.
O companheiro de expedição Alexandre Socci fotografando a paisagem do Great Slave Lake em Yellowknife, Northwest Territories, Canadá. A câmera é uma Canon EOS R5 (mirrorless) e a lente é a Canon EF 200-400mm f/4L IS com extender 1.4X integrado. Não é fácil usar uma teleobjetiva de 400mm para fotografar sem um tripé, porém esse conjunto de equipamentos conta com estabilizador de imagem tanto no corpo da câmera quanto na própria lente, facilitando muito o trabalho do fotógrafo que pode muitas vezes não poder carregar consigo um tripé ou monopé.

As lentes são outro componente vital do kit de fotografia de natureza. Lentes teleobjetivas com grande alcance são frequentemente usadas para fotografar animais selvagens a distâncias seguras, permitindo a captura de comportamentos naturais sem perturbar o ambiente. Lentes grande angulares são ideais para paisagens expansivas e dramáticas, capturando a vastidão do cenário natural em sua plenitude.

Para imagens nítidas e detalhadas, especialmente em ambientes de pouca luz ou em situações de longa exposição, tripés e estabilizadores são equipamentos fundamentais. Eles reduzem a trepidação da câmera, permitindo que o fotógrafo alcance a máxima nitidez e qualidade de imagem em suas fotografias.

Além das câmeras e lentes, existem diversos acessórios que podem elevar a experiência da fotografia de natureza. Filtros polarizadores podem reduzir reflexos indesejados e melhorar a saturação de cores em céus e águas. Bolsas e mochilas especializadas oferecem proteção e facilidade de transporte para o equipamento, essencial para a mobilidade em ambientes desafiadores.

A JORNADA DA FOTOGRAFIA DE NATUREZA

Em última análise, a fotografia de natureza é muito mais do que simplesmente capturar imagens bonitas. É uma jornada de conexão profunda com a natureza, uma busca constante pela beleza, uma imersão em ambientes selvagens e uma busca pela compreensão e preservação do nosso mundo natural.

Neste artigo, exploraremos em detalhes os diferentes tipos de equipamentos utilizados na fotografia de natureza, desde as câmeras e lentes até os acessórios indispensáveis. Discutiremos também as melhores práticas para garantir que nossas interações com a natureza sejam éticas e sustentáveis, honrando a vida selvagem e os tesouros naturais que tanto apreciamos. Junte-se a nós nesta fascinante jornada de descoberta e paixão pela fotografia de natureza.


TIPOS DE CÂMERAS: ESCOLHENDO A FERRAMENTA CERTA

Na fotografia de natureza, a escolha da câmera é uma das decisões mais importantes que um fotógrafo pode fazer. Diferentes tipos de câmeras oferecem recursos distintos, o que pode influenciar significativamente o resultado final da imagem. Abaixo, vamos explorar alguns dos tipos mais comuns de câmeras usadas para a fotografia de natureza, juntamente com os prós e contras de cada uma.

Foto © Alexandre Socci – Todos os direitos reservados.
Próximo ao Tombstone Territorial Park, em Yukon, Canadá, o amigo velejador e explorador Beto Pandiani fotografa as belas paisagens da região usando um smartphone.

1. CÂMERAS DSLR (Digital Single Lens Reflex): nossas velhas amigas

As câmeras DSLR são uma escolha popular para a fotografia de natureza, pois oferecem uma ampla variedade de lentes intercambiáveis e controles manuais avançados. Os modelos mais recentes possuem sensores de alta resolução, proporcionando imagens nítidas e detalhadas.

PRÓS

  • Excelente qualidade de imagem com alta resolução e boa performance em ambientes de pouca luz.
  • Grande variedade de lentes disponíveis para diferentes necessidades, como teleobjetivas para fotografar animais selvagens à distância.
  • Controles manuais avançados que permitem ajustar todos os aspectos da imagem.
  • Possibilidade de utilizar filtros polarizadores e outros acessórios.

CONTRAS

  • São mais pesadas e volumosas, o que pode dificultar o transporte em trilhas e ambientes remotos.
  • Algumas câmeras DSLR podem ser mais caras, especialmente as profissionais de alta gama.

Uma câmera mirrorless com lente zoom 70-200 montada e pronta para desbravar os mares do Ártico, em busca de momentos únicos e selvagens. Protegida por um case resistente, esta câmera está preparada para capturar a magia do Ártico, desde a majestosa vida selvagem até as deslumbrantes paisagens geladas.

2. CÂMERAS MIRRORLESS: a tecnologia mais moderna

As câmeras mirrorless são semelhantes às DSLRs, mas não possuem um espelho reflexivo. Em vez disso, utilizam um visor eletrônico para visualização da cena. São conhecidas por seu tamanho compacto e leveza em comparação com as DSLRs.

PRÓS

  • Menor e mais leve do que as DSLRs, tornando-as mais fáceis de transportar em longas caminhadas e expedições.
  • Oferecem qualidade de imagem comparável, já que muitos modelos possuem sensores semelhantes aos encontrados em câmeras DSLR.
  • Visor eletrônico permite visualização em tempo real das configurações da imagem.
  • Possibilidade de utilizar uma ampla gama de lentes intercambiáveis.

CONTRAS

  • As opções de lentes podem ser mais limitadas em comparação com as DSLRs, embora a variedade esteja aumentando constantemente.
  • Algumas câmeras mirrorless podem ter uma vida útil menor de bateria em comparação com as DSLRs, devido ao consumo de energia do visor eletrônico.

3. CÂMERAS ZOOM AVANÇADO (Bridge): melhor custo benefício?

As câmeras de zoom avançado, também conhecidas como câmeras bridge, são projetadas para serem uma opção intermediária entre câmeras compactas e DSLRs. Geralmente possuem lentes fixas com um amplo alcance de zoom, eliminando a necessidade de trocar lentes.

PRÓS

  • Ótima opção para fotógrafos que desejam maior alcance de zoom sem a necessidade de carregar várias lentes.
  • São mais leves e mais fáceis de manusear em comparação com as DSLRs.
  • Algumas opções oferecem bons recursos manuais para controle criativo.

CONTRAS

  • A qualidade da imagem pode não ser tão alta quanto a das DSLRs ou mirrorless, especialmente em situações de pouca luz.
  • Menos opções de lentes e acessórios em comparação com as DSLRs e mirrorless.
  • Alguns modelos podem ter um desempenho mais lento de autofoco em comparação com as DSLRs.

Foto © Alexandre Socci – Todos os direitos reservados.
Fotografando uma paisagem com flores em primeiro plano usando um smartphone com estabilizador. Hoje há várias opções com diferentes propostas e preços.

4. CÂMERAS DE SMARTPHONE: a revolução da fotografia de natureza na palma da sua mão

Uma das maiores revoluções na fotografia de natureza foi a incorporação de câmeras avançadas em smartphones. Com a evolução tecnológica, os smartphones modernos tornaram-se poderosas ferramentas para capturar momentos preciosos da vida selvagem e paisagens deslumbrantes.

PRÓS

  • Conveniência e portabilidade excepcionais, permitindo que você esteja sempre pronto para fotografar a natureza ao seu redor.
  • Tecnologia avançada de sensores e processamento de imagem, resultando em imagens surpreendentemente nítidas e detalhadas.
  • Grande variedade de aplicativos e recursos de edição disponíveis para aprimorar e personalizar suas fotografias.
  • Alguns smartphones possuem lentes ultra-angular, grande angular e teleobjetiva, expandindo as opções criativas para a fotografia de natureza.

CONTRAS

  • Menor controle manual em comparação com câmeras DSLR e mirrorless, limitando algumas opções de configuração.
  • Desempenho limitado em ambientes de pouca luz, apesar das melhorias constantes nos sensores.
  • Zoom digital ainda é uma limitação para detalhes distantes, em comparação com lentes de zoom óptico em câmeras dedicadas.

5. CÂMERAS DE FORMATO MÉDIO: o poder da alta resolução e qualidade de imagem

As câmeras de formato médio são uma categoria especializada e altamente valorizada na fotografia de natureza. Elas oferecem um sensor maior do que as câmeras DSLR e mirrorless tradicionais, o que resulta em imagens com uma qualidade excepcional e detalhes impressionantes.

PRÓS

  • Sensores de grande dimensão, geralmente maiores que os sensores das DSLR e mirrorless, o que proporciona imagens de alta resolução e uma ampla gama dinâmica.
  • Detalhes incríveis e reprodução precisa de cores, ideal para capturar a rica paleta da natureza e a complexidade dos cenários naturais.
  • São amplamente utilizadas por fotógrafos profissionais que buscam a máxima qualidade de imagem para projetos comerciais, impressões de grande formato e exposições.
  • Excelente desempenho em situações de pouca luz, com baixo ruído em altas sensibilidades ISO.

CONTRAS

  • São mais volumosas e pesadas em comparação com câmeras DSLR e mirrorless, tornando-as menos portáteis e práticas para fotógrafos que precisam se deslocar frequentemente.
  • Preços mais elevados em relação a outros tipos de câmeras, tornando-as um investimento significativo.

Foto © Alexandre Socci – Todos os direitos reservados.
GoPros na fila para descarregar o conteúdo do dia durante percurso em motorhome. As câmeras de ação resolvem muitas demandas que seriam impossíveis para outros tipos de câmera. Podem ser facilmente posicionadas nos mais complicados lugares, inclusive em veículos em movimento e, além de fotografar, também podem filmar e fazer time lapses.

6. CÂMERAS DE AÇÃO (Action Cams): Registrando a Aventura e a Natureza em Movimento

Além das câmeras DSLR, mirrorless, formato médio e smartphones, as câmeras de ação, também conhecidas como action cams, têm se tornado cada vez mais populares na fotografia de natureza. Projetadas para serem compactas, robustas e à prova d'água, essas câmeras são ideais para capturar ação em ambientes desafiadores, como atividades ao ar livre, esportes radicais e, é claro, a vida selvagem em movimento.

PRÓS

  • Design compacto e leve, tornando-as ideais para serem usadas em situações de ação e aventura.
  • Capacidade de gravar vídeos de alta qualidade em resoluções de até 4K, permitindo a captura de momentos emocionantes e cenas dinâmicas da natureza.
  • À prova d'água e resistente a impactos, o que as torna adequadas para uso em ambientes externos hostis, como chuva, neve ou mesmo subaquáticos.
  • Facilidade de montagem em acessórios e equipamentos, como capacetes, bicicletas, drones e suportes diversos, para ângulos de filmagem criativos e únicos.

CONTRAS

  • Menos controle manual em comparação com câmeras DSLR e mirrorless, limitando algumas opções de configuração.
  • Sensores e lentes menores podem afetar a qualidade da imagem em condições de pouca luz.
  • Algumas action cams podem não oferecer tantos recursos avançados de estabilização e correção de distorção em comparação com câmeras maiores.

Foto © Alexandre Socci – Todos os direitos reservados.
Fotografando Beto Pandiani com uma DSLR equipada com uma lente 24-105mm f/4.0 em Tuktoyaktuk, local de partida da expedição Rota Polar.


A IMPORTÂNCIA DO FOTÓGRAFO

Independentemente do tipo de câmera que você escolher para a fotografia de natureza, é importante lembrar que a habilidade do fotógrafo é fundamental para capturar imagens verdadeiramente notáveis. O conhecimento de técnicas de composição, uso criativo da luz e compreensão do comportamento da vida selvagem são tão essenciais quanto o equipamento em si.

É possível obter imagens incríveis com câmeras de smartphone, especialmente quando usadas com habilidade e paixão pela natureza. Com os avanços constantes na tecnologia de smartphones, as barreiras entre os diferentes tipos de câmeras estão diminuindo, tornando mais acessível a todos a possibilidade de registrar a beleza do mundo natural.

Independentemente do tipo de câmera que você escolher para sua jornada de fotografia de natureza, o mais importante é aproveitar o momento, apreciar a natureza ao seu redor e compartilhar a beleza e a importância da conservação com o mundo. Afinal, a fotografia de natureza é sobre capturar a essência da vida selvagem e paisagens deslumbrantes, mas também sobre preservar e proteger esses tesouros para as futuras gerações.


A ESCOLHA QUE REFLETE SUA VISÃO

A fotografia de natureza oferece uma ampla gama de opções quando se trata de escolher o tipo de câmera ideal. Cada categoria tem suas próprias vantagens e desafios, e a decisão final deve refletir a visão e as necessidades do fotógrafo.

Enquanto as câmeras DSLR e mirrorless são populares e versáteis, os smartphones oferecem conveniência e portabilidade para capturar momentos espontâneos da natureza. Já as câmeras de formato médio são a escolha dos fotógrafos profissionais que buscam a excelência em qualidade de imagem.

Independentemente do equipamento escolhido, a verdadeira essência da fotografia de natureza reside na conexão profunda com a natureza, na apreciação da vida selvagem e na captura da beleza efêmera das paisagens naturais. O equipamento é uma ferramenta valiosa, mas é o olhar e a paixão do fotógrafo que dão vida às imagens e transmitem a essência do mundo natural para o público.

Na segunda parte deste artigo, exploraremos as lentes e acessórios essenciais para a fotografia de natureza, detalhando suas características e importância na obtenção de imagens excepcionais. Junte-se a nós em nossa busca contínua pela beleza selvagem e pela preservação do nosso amado planeta através das lentes da fotografia de natureza.

CONCLUSÃO

A escolha da câmera ideal para a fotografia de natureza depende das preferências e necessidades individuais do fotógrafo. Cada tipo de câmera possui suas vantagens e limitações, e encontrar o equilíbrio certo entre qualidade de imagem, portabilidade e funcionalidades desejadas é essencial para obter resultados impressionantes em suas aventuras pela natureza.

ABRINDO NOVOS HORIZONTES NA FOTOGRAFIA DE NATUREZA

As câmeras de ação trouxeram um novo nível de dinamismo e perspectiva à fotografia de natureza. Seja registrando a ação de animais selvagens em seu habitat natural ou capturando as emoções e desafios de atividades ao ar livre, as action cams têm permitido aos fotógrafos explorar novas fronteiras na narrativa visual.

Cada tipo de câmera mencionada neste artigo oferece vantagens únicas e atende a diferentes necessidades dos fotógrafos. Seja com uma câmera DSLR para capturar a vida selvagem em detalhes impressionantes, uma action cam para registrar suas aventuras na natureza ou um smartphone para capturar momentos espontâneos, o importante é preservar a beleza da natureza e compartilhá-la com o mundo.

Na próxima parte deste artigo, mergulharemos nas lentes e acessórios essenciais para a fotografia de natureza, revelando as opções disponíveis para levar suas imagens ao próximo nível. Junte-se a nós enquanto continuamos explorando o emocionante mundo da fotografia de natureza e sua capacidade de nos conectar com a majestade e fragilidade do nosso ambiente natural.

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Marrakech
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Prepare-se para se aventurar em um mundo de aventuras emocionantes e cenários impressionantes enquanto conversamos com o canionista Sanner Moraes. Com um espírito audaz e uma paixão inabalável pela exploração das mais profundas gargantas e desfiladeiros, Sanner é um verdadeiro mestre das alturas. Nesta entrevista exclusiva, ele compartilhará suas experiências, os desafios enfrentados ao longo de sua carreira, e como essa fascinante atividade o conecta de forma íntima com a natureza que o cerca. Junte-se a nós nesta jornada emocionante e descubra o mundo através dos olhos destemidos de Sanner Moraes, um verdadeiro mestre dos abismos. O que é canionismo? É a atividade exploratória ou esportiva de se percorrer o interior de um cânion, descendo o leito do seu curso d'água, servindo-se de técnicas e equipamentos de diversos esportes aquáticos e de montanha para que se consiga progredir em seus diversos aspectos, em especial os desníveis. Há diferentes modalidades dentro desse esporte ou é uma coisa só?‍ Sim, há diferentes tipos de modalidades apesar do objetivo final ser um só: a exclusividade de poder estar em locais restritos e de grande beleza natural, com a sensação de êxito em se vencer o percurso. Podemos dividir em duas vertentes: Os que gostam de conquistar novos cânions e os que gostam de descer cânions conquistados. A primeira é formada por pessoas com perfil predominantemente explorador. Estas estão dispostas a sofrerem mais com a pressão psicológica e a exaustão física em troca da aventura inédita. São pessoas que têm o trabalho de grampear todas as ancoragens e criar um croqui do cânion conquistado, a fim de que os próximos praticantes, os repetidores, possam se guiar. A segunda é formada por esses repetidores, que são praticantes com perfil predominantemente recreativo e contemplativo, ou também esportividade quando esses cânions estão com seu caudal d'água forte.‍‍ Como você conheceu o canionismo? Quando começou a praticar?‍ Foi uma transição de longos anos. Eu nasci e fui criado na vila de Furnas-MG, um local circundado de belos e potenciais cânions e cachoeiras. Comecei a me pendurar em cordas em 1996, de forma bem amadora. Em 2000 eu conheci um amigo, o Dickran Berberian, ele me ensinou muitos macetes de cachoeirismo e nesse momento já dispúnhamos de técnicas e equipamentos. Em 2001 começamos a explorar os cânions da região, porém não tínhamos as técnicas de recuperação de cordas do canionismo. Para isso, fazíamos como espeleólogos, uma corda para cada cachoeira e quando acabavam as cordas, voltávamos fazendo ascensão. Em 2008 eu comecei a prospectar cânions maiores, que atualmente são os Cânions BS Prime e BS Diamond, os ícones e clássicos da região de Furnas. Mas foi em 2010 que fui a um encontro brasileiro de canionismo em Delfinópolis/MG na Serra da Canastra e lá conheci o esporte efetivamente através de amigos canionistas. ‍Realizei alguns cursos e de lá pra cá conquistei inúmeros cânions na minha região, descendo muitos outros em regiões como Serra do Intendente, Brotas, Planalto Central, Chapada dos Veadeiros e Chapada Diamantina.‍‍Você acha o canionismo uma atividade perigosa? Quanto?‍‍Sim e não. Eu explico.É uma atividade potencialmente perigosa por suas características altitudinais, aquáticas e regionais por ser praticada em locais inóspitos. No entanto, escolas tradicionais como a que me formei, a francesa, vem investindo no desenvolvimento e aprimoramento de técnicas para sanar falhas do passado.Os equipamentos também evoluíram e isso faz com que o risco seja controlado.O canionismo está se popularizando no Brasil e por esse motivo já começaram a acontecer acidentes.A disponibilidade de informação na web, como tutoriais no YouTube, acredito que também contribuem para que os novos praticantes aspirem de forma rápida, porém muitas das vezes técnicas erradas e/ou inconsistentes (uma vez que a web atualmente está lotada de informações erradas) faz o novo aprendiz emitir um juízo de valor oco, amparado em sua emoção e não na razão. Bom, é por esses fatores e pelas características comportamentais dos tempos atuais que a primeira resposta é sim. É perigosa.Entretanto, conheço canionistas que já praticam há mais tempo do que eu e que nunca tiveram um arranhão. Claro que com o passar dos tempos, com a evolução das técnicas e dos equipamentos, os praticantes vão ficando cada vez mais arrojados.Mas para os praticantes (antigos ou novos) que sabem se despir do espírito competitivo e que acima de tudo sabem respeitar seu nível técnico, sem vislumbres, acumulando maturação consistente, e que reconhecem os perigos da atividade sem o clima de “oba-oba”, sem subestimar o cânion, para esses praticantes a atividade se torna segura.‍Como está o canionismo no Brasil?‍Em crescimento, assim como houve um boom na Europa nos anos 2000.Muitos estão migrando do rapel, ou fazendo um híbrido. Os encontros brasileiros e estaduais que aconteciam anualmente fomentavam a atividade, mas entraram numa curva descendente.‍Voltaram a força após um RIC (Rendez-vous International Canyon) ou Encontro Internacional de Canionismo, o primeiro e com edição única até então, cujo evento aconteceu em 2012 em Delfinópolis/MG.De lá pra cá, com a popularização e novos cânions sendo conquistados, a atividade cresceu, apesar da quantidade de praticantes ainda ser inexpressiva em relação a outros esportes de montanha e aventura.O brasileiro ainda não está completamente disposto a adotar esse estilo de montanha, em especial o do canionismo, mesmo o Brasil tendo um potencial enorme. Mas aos poucos isso vem mudando.Onde você pratica mais o canionismo?Região de Furnas! Terra onde nasci! (risos)Cânions com quartzitos claros e águas cristalinas. Não foi essa a pergunta, mas vou dizer: Já desci cânions em várias regiões, mas nenhuma região supera as características cênicas das Minas Gerais, em especial a região de Furnas.Quais outros esportes você pratica?Pratiquei por muito tempo a escalada em rocha e gosto muito de uma variedade dela, o psicobloc (praticado sobre a água e sem corda) é também uma atividade anfíbia. Mas com o foco dedicado ao canionismo nessa década, não tive tempo para praticar o quanto gostaria.Outro esporte que pratico ocasionalmente é o mergulho com cilindro.Mas o esporte que tenho me encantado é o Paraquedismo (skydive). Fale um pouco sobre sua entrada no paraquedismo.Era um sonho de criança. Queria praticar quando assisti uma cena irada da primeira versão do filme “Caçadores de Emoção”, onde o personagem Bodhi (Patrick Swayze) intima o agente Utah (Keanu Reeves) a saltar e fazer um ritual de encerramento do verão, uma estrela no ar. Acompanhava também pela TV um paraquedista ícone dos anos 2000, o Gui Pádua, que é quase um conterrâneo e me influenciou muito. Mas na época, minha idade para me deslocar até as áreas de salto, na frequência com que elas aconteciam e geravam custos, me limitavam.Mas em 2013, eu disse: - Agora preciso investir nesse sonho. Fui pra Resende/RJ a convite de um experiente amigo e instrutor de paraquedismo e iniciei o curso, porém não dei continuidade. Em 2018, já morando em Ribeirão Preto e mais perto do Centro Nacional de Paraquedismo, em Boituva/SP, retornei a esse esporte que requer muita dedicação tanto para o desenvolvimento de performance quanto para uma maturação na gestão dos riscos. Desde então venho gostando cada vez mais.‍‍Fale um pouco sobre sua atividade como produtor de vídeos de aventura.‍‍Um pouco? Posso falar muito? (risos)É outra paixão, e virou profissão. Cultivo esse gosto desde criança também.Me formei numa área correlata e assim que me formei em 2004, já com uma certa experiência em atividades de aventura e de montanha, comprei minha primeira câmera, uma HandCam Mini-DV para poder registrar minhas aventuras.De uma forma espontânea, observando muito e testando formatos, os registros iam ficando cada vez melhores. Quando em 2010 resolvi que queria ter um programa de TV com tema de aventuras. Fiquei dois anos fazendo pilotos e procurando canais que eu pudesse exibir meu conteúdo e em 2012 estreei num canal local de Ribeirão Preto, onde fiquei até 2018.Durante esse tempo, já praticando canionismo e sendo este o tema predominante dos meus programas, acabei me tornando a referência na produção de vídeos para quem pratica o canionismo e num estilo de produção a ser copiada pelos amadores! (risos)Desenvolvi minha expertise para esse tipo de gravação que envolve água, barulho, pouca luz e atletas que na hora H, querem andar rápido e sair do cânion. Como transitava por outros esportes, recebi convites para atuar em outras produções como as de BASE Jump, que venho fazendo bastante e até mais do que eu esperava.Em 2014 eu fui convidado pelo icônico aventureiro e experiente em imagens de aventura, Celso Cavallini, a participar de uma de suas produções que foi no cânion BS Prime onde aprendi muitos macetes com ele, tanto técnicos quanto burocráticos.Em novembro de 2015 comecei a construir um projeto de uma série de canionismo para o canal Off. Consegui finalizar uma negociação, mas que foi adiada devido ao frágil cenário político e econômico que o Brasil passou em 2016. Mas em 2018, já na era do digital, foi ao ar pelo aplicativo do canal Off a primeira produção sobre canionismo produzida no Brasil, por mim.10) Deixe uma mensagem para quem deseja ingressar no canionismo, paraquedismo ou outras atividades de aventura.R: Procurem sempre alguém que realmente tenha um bom histórico na atividade e nunca, nunca tenham pressa em começar. Nos dias de hoje, todos queremos as coisas “pra ontem” e isso faz com que se pule etapas importantes no aprendizado e formação do aprendiz. E em se tratando de esportes de risco, isso pode ser mortal.No canionismo, apesar de não ser obrigatório, é interessante que se faça um curso com entidades ou alguém que tenha um bom histórico e bagagem. Afinal, você pode aprender de forma errônea justamente pelo fato do curso não ser obrigatório e por não possuir algum tipo de padrão.Para saber escolher, não tenha pressa e pesquise bastante. Já no Paraquedismo é obrigatório o curso. O método usado hoje é o AFF (Acelerated Free Fly) composto por conteúdo teórico e mais 7 níveis práticos que o aluno deve cumprir e também ser aprovado. Depois você passa para a fase de maturação e mesmo saltando sozinho, sempre estará sob a observação de um instrutor até o seu 25º salto. A maior área de saltos da América Latina é Boituva e lá consequentemente concentra a maioria das escolas que funcionam praticamente todos os dias da semana.Por ser um esporte mais antigo que o canionismo e ser praticado em todo mundo basicamente com os mesmos protocolos, os instrutores serem submetidos a comprovação de proficiência, você não precisa se preocupar com a possibilidade de “aprender errado” ou de forma divergente entre escolas.E mais uma vez eu pontuo: A pressa é inimiga da evolução.As demais atividades de aventura seguem esses modelos acima, tanto para esportes que se pode aprender praticando com um amigo/instrutor ou para esportes que necessitam de cursos e é praticado de forma padrão em todo o mundo.
Publicações recentes
Cânion 5 Diamantes
Em um cânion dessa envergadura e desse nível técnico, o ideal é que estivéssemos em uma equipe mais enxuta, o que evitaria atrasos que um grupo maior, por natureza, causa. Meu dupla e eu estávamos na condição de supervisores/mentores de 5 atletas recém formados em um curso de nível avançado, que maturavam suas técnicas nessa aventura. O ponto de encontro foi a cidade de Passos/MG e o atraso na saída foi inevitável. A fazenda que iria nos receber às 7h me contatou informando que só poderia abrir suas porteiras às 9h. Ao chegar, um dos integrantes preferiu não entrar no cânion, já imaginando os problemas causados pelo atraso, e ficou como apoio na base. Repassamos a logística num briefing, subimos a estrada em 2 veículos 4x4, ficando um na entrada do cânion e o outro regressando à base para monitorar nossa progressão através do dispositivo de satélite/GPS. Já eram 12h15min quando de fato entramos no cânion e foi iniciado o primeiro trabalho de corda, num total de 9 (rapéis) e alguns corrimãos de acesso. Dia ensolarado de outono, atmosfera quente e água fria. Esse cânion apresenta uma característica geomórfica bem peculiar, o que dificulta muito a progressão nos trechos em que utilizamos cordas. Seu leito tem desníveis com rampas de 45 graus verticais e 20 graus de inclinação horizontal, à direita. As rampas fazem com que não consigamos apoiar o nosso peso por completo, nem na corda e nem nos pés. A força da água nos passa uma rasteira e a maioria dos rapéis são cruzando as margens. Seguimos em um bom ritmo no início, mas o grupo começou a ficar mais lento nos trechos mais confinados e estreitos, onde a pressão do caudal d’água aumenta. Nesse estreitamento, um dos trechos de que mais gosto, a luz do dia já perdia força. Ainda (ou já) eram 15h, estávamos no rapel #6, tínhamos progredido no máximo 1/3 da extensão confinada do cânion e faltava muita coisa pela frente. Ao chegar ao desnível do rapel #8, um dos integrantes e eu optamos por fazer um salto de 8m, enquanto o restante do grupo optou por transpor esse obstáculo com corda. Nesse ponto do poço, pude perceber que o caudal d’água estava mais forte do que o comum para um outono. Tive também a certeza de que sairíamos à noite. Somente meu dupla e eu conhecíamos esse cânion, pois estávamos na ocasião da conquista. Não sei se isso era uma vantagem ou não, pois eu sabia o quão sofrida seria a continuação desta jornada enquanto o restante do grupo, não. O cânion começa a mostrar suas características mais aquáticas. Poços com correntes que arrastam e que terminam abruptamente em quedas com risco de “Eject” do atleta e deságue das quedas com refluxos. Eu ia à frente com auxílio de um saco resgate (daqueles que se usam em esportes de águas bravas) para verificar e abrir a progressão. Numa dessas, a corrente estava forte e, com bastante adrenalina, consegui chegar à borda de um eject, subir em uma pedra para sair da ação de arrasto da água e saltar. A equipe passava depois, auxiliando meu dupla, que era o último. Chegamos a um dos desníveis mais perigosos deste cânion. Um tobogã em canaleta, com águas e curvas fechadas para os dois lados em sua extensão, com contracorrente, uma marmita lateral e refluxo no seu deságue. Da vez mais recente em que havíamos passado por ele, já à noite, tivemos que escalar uma parede de 12m, instalar uma ancoragem e descer de rapel após o término desse refluxo. Mas desta vez, ainda havia um restinho de luz do dia e, como o rapel demoraria mais, optei por prosseguir pelo tobogã. O risco e o medo são maiores para mim. Novamente fui à frente, com auxílio do saco resgate; porém, em determinado ponto, já sendo chacoalhado pela água e já num ponto onde meu dupla não tinha mais contato nem visual nem sonoro, resolvi soltar a corda de apoio e deixar a corrente me levar... Estava forte, mas transponível. A equipe demorou muito nesse ponto. Tempo justificável pelo nível de dificuldade. A noite chegou e estávamos no rapel #9, o mesmo que em situação anterior meu dupla e eu tivemos que fazer um bivak forçado, pois, na ocasião, era impossível cruzar a margem durante o rapel. Uma rasteira no meio da descida poderia terminar num afogamento. Mais uma vez, achei que teria que bivacar. Caudal forte e muitos trechos de desescalada com risco de escorregões pela frente. Uma ancoragem que havíamos instalado da vez anterior, após o bivak e com luz do dia, era a solução para nossa transposição desse obstáculo e continuação do cânion à noite. Mas acessar essa ancoragem era outro risco, já que é bem exposta e com acesso escorregadio. A equipe então teria que instalar um corrimão de acesso e, toda vez que se necessita instalar um grampo o processo costuma demorar, principalmente à noite. Uma chuva forte passou pelo cânion e achamos melhor pausar a atividade e nos abrigar. Parecia que não tínhamos escapatória e teríamos que bivacar. Estávamos preparados para isso, mas as temperaturas esperadas eram bem baixas e o desconforto era certo. Aliás, eu já estava com muito frio, pois estava parado, aguardando as ancoragens. A chuva parou às 20h, uma bela lua cheia apareceu e eu preferi incentivar a turma a continuar. No último rapel a equipe teve problemas na recuperação da corda. Ela travou e, mesmo montando um sistema de redução para tracionar, não resolveu. Baixa nesse equipamento que tivemos que deixar. Seguimos pela madrugada por mais trechos de águas bravas e flutuação por enormes corredores. Às 3h da madrugada, o cânion se abriu e a lua cheia iluminava com vigor o leito rochoso. Faltava ainda mais de 1 hora de marcha aquática por grandes blocos de rocha e uma temperatura tão baixa que nosso calor, mesmo com o isolamento da roupa de neoprene, condensava atmosfera em vapor. Nossa referência de saída chega e iniciamos uma árdua subida em mata fechada, com samambaias que dificultavam ainda mais nossa ascensão, sem trilha, apenas por referência. A progressão nesse trecho foi muito lenta, já estávamos muito cansados e tivemos que fazer várias paradas. Havia se passado 1 hora de subida quando por fim acessamos a estrada. Eram 5h da manhã, todos muito cansados, e o carro ainda estava 2 km estrada acima. A primeira luz do sol raiou e estávamos na sede da fazenda nos encontrando com nosso amigo que ficou nos monitorando. Foi uma aventura intensa!
Pelo Sertão do Rosa
Sobre este relato: Há uma aventura literária filosófica acontecendo embrenhada no interior de Minas Gerais chamada O Caminho do Sertão, de Sagarana ao Grande Sertão: Veredas. Em 2019 terá sua 6ª edição. Um trajeto de 180km percorrido por mais de 100 pessoas vindas de áreas e lugares e culturas completamente diversos. Inicia em Sagarana, primeiro local de assentamento em Minas Gerais, distrito criado em homenagem e inspirado por João Guimarães Rosa. E o caminho vai até o Parque Grande Sertão Veredas, em Chapada Gaúcha. Sete noites acampadas, cada qual em um lugar perdido de existência, por baixo de um céu 5 milhões de estrelas. Fomos nos banhar no Urucuia, o rio do amor do livro do Rosa. Tanta e toda vida acontecida logo ali. Montar barraca ao anoitecer, desmontar antes do amanhecer. Mais que encantador, é um momento de reflexão da vida, de tudo que nos cerca, pois que cercados de sertão e de pessoas do sertão é fato que iremos nos questionar de como vivemos a cidade. Eu fui selecionado para a 3ª edição desta caminhada – sim, há um edital, você precisa querer muito ir passar esse perrengue existencial maravilhoso e ser selecionado, além de custear sua alimentação e transporte – e imediatamente após voltar derramei um relato desta aventura. Segue aqui o texto e o convite a repensarmos a revolução necessária ao meio ambiente, a nossa casa toda.‍Meu caminho pelo sertão do RosaOra pois no ôxi então! Vem! Né! Espiaaaaa....Caminho que o senhor fez foi caminho árduo dificultoso no então do ido, foi que foi? É que não. É que é travesso, de serpentina de poeira e rodamoinho de pé-de-valsa no baldio da multidão dos andantes que só e pó. É que foi. Um no depois do outro, o mundo indo, outros lugares. Assim, de passo dado feito mãos dadas. Roda de ciranda e de preparo do corpo pro pro-ir. Eu fui. O outro eu fui. Os outros fui. Eu fui em todos que foram. Todos me foram. Nós então agora somos. Caminhamos o caminho do sertão em terceira edição. Haja amanhã pra tanto hoje, houve. Teve.Rumei trecho. Saído dos loucos na cidade, entre as rosas e os campos, as vertentes, os também gerais, as bárbaras cenas rumo arriba. Sete. Setecentos. E setenta. E sete. É. Pareceu pirraça de brincadeira. Mas foi o GoogleMaps o pierrot dessa picardia. Foram esses os quilômetros (entre) a minha Barbacena e a nossa Sagarana. O meu Ponto de Partida.Esse texto bobo é para cumpliciar com vosmecês a fadiga do meu peito que brinda escrivinhadura com o contar das experiências do andarilho maltrapilho que me rodopia dentro do peito. Um sete em cada panturrilha, a pois! Sete centímetros cada, na idade dos 34 anos (3 + 4 é sete outra vez), na ida da virada do setênio nos 35! Arre! Eles falam. Eles dizem. A cabala, a astrologia, a numerologia, a crise dos casais, as profecias e os anjos deve que dizem também, ou não, pelo contrário.E o meu Ponto de Partida é o grupo de teatro. Todo meu de nosso. Daqui também dos loucos artistas criadores de vida. E o segredo maior do meu sonho-delírio que lhes conto: a música, O Amanhecer, cantarolado por Daiana e assobiado por Gustavo. É canção composta pelo moço conhecido, o tal Fernando Brant, que configurou no desenho do rabisco a letra tendo de contraponto a melodia composta pelo moço que faz do violão uma orquestra, o sinhô Gilvan de Oliveira. A música, cantada em vez primeira pelo pequeno Pablo Bertola, aos 5 anos, foi trilha de um espetáculo belo chamado O Beco, que diz que “quem é do Beco, é seco é pau, por milagre fica em pé. Quem é do Beco não é bom nem mau, sete vidas, tem na fé.... quem tem amigos na vida... está mais perto de ter Deus!”. E aí, que quando ouvi a Daiana, às 04 do dia, meus olhos abriram achando que até a abertura deles era ainda o sonho indo.Vosmecês e vosmecêsas exculpem esse jeito meu de falar do quintal da minha rua, é que é nele que eu entendi que é tudo casa, até a casa nua despida de cidade que é o sertão todo. E eu fui indo né, com vocês, com eles, sendo guiado pela vontade do peito de buscar rumo sem rumo, indo fondo, igual o andarilho que eu criei para perambular mundo. É que ir é o mesmo que o estar, só que sendo de bicicleta, um pouco mais rápido que o passo, um pouco mais lento que o tudo. É ir fondo mesmo.Nos tempos em que li o Grande Sertão do Guimarães eu tive epifanias. De que tudo que precisa ser escrito, dito ou compreendido estava ali. Um relicário precioso. Um baú de Pandora com a capsula do tempo mesclados, feito Deus e o diabo. E encontrar a um bando contatado para travessar juntos foi a mais honesta forma de realizar um sonho que um homem em seu meio caminho de tempero de vida pode encontrar com honestidade. Ver a literatura ganhar folhagem e a folhagem ser o cenário da ficção mais real que já li. Compreender a força pungente e arguta da arte em se fazer parte da vida cotidiana de todos os tipos de gentes (entre) as boas-ruins-boas e as doutas-sábias-rotas. A arte da ficção impelindo ao mundo as verdades!! Maravilha de viver, compreender e perceber. O que as cabeças idealizaram em primeira mão, os corpos sedimentaram em segunda ida. A nós, a alma. Insuflada nos corpos de pó, poeira e terra seca. A água das lágrimas, do suor e do carro de apoio fizeram de nós a massa primeira ancestral da criação. A realização em realidade da filosofia mitológica do barro que cria. E o sertão ali, sorrateiro-pleno, acordado inteiro, insuflando ventinhos para dentro de nós.Entrar ali é entrar em duas dimensões gigantes estando no mesmo lugar. O sertão de todos, o sertão do Rosa. Para transitar de um ao outro sem enlouquecer ao som do vento a gente tinha como que a pausa da existência, o recitar do homem que leva a palavra de Guimarães no beiço, Elson. E para a alma, os guias. De uns, o sol, outros a lua. A estrelaiada é a constelação de anjos para eles. O comandante Fidel dos jagunços urbanejos do sertão, a docilidade no homem em riste que abre os caminhos e garante a ida, a abertura de trincheira, os esclarecer dos matos. O guia celeste, aquele que nos une ao céu em puro, o Célio. O Bergue, nosso xamã curandeiro clérigo guia, que cuida de nossas colunas fingindo que alinhava os pés pelas bolhas, generosidade em abundância guardada dentro de castanhas de baru. O baru! Esse que melhora o colesterol, dá força e juventude, alegria aos casais e alimento a tantos. O guardião da retaguarda do bando, o que aceita o arrematar a travessia, o garantidor dos rastros, a salvação dos observadores mais aprofundados na arte do caminhar sem a pressa da dúvida, o Fanta. O homem um, o um em tantos, o cantador de aboios que nos lembra o ontem e nos faz pensar o amanhã, e sua presença é já. O Jao. E onde há guia, há discípulo dos caminhos. Como lã de carneiros que, na juventude, já vem para nos proteger, compreendendo nos passos tantos os rumos dos do ano que vem, a Lana. E aquele, o famigerado, o estapafúrdio, o sem beiradas de comparação, o papa-léguas do sertão, que tanto admiro, o seu Agemiro. É como o mago supremo talhado em resiliência e arguido em cacto. Importa pouco a secura do mundo, o que ele guarda dentro é água em nascente. Assentados, em beirada de pedra na cachoeira do churrasco eu perguntei a ele pedindo: “Seu Agemiro, fala-me, por favor e obséquio, algo de sabedoria de vida?” – ao que ele me olha, sem a pestana cintilar e me solta para os peitos: “Você quer uma receita? Toma café da manhã, almoça e janta. Pronto. Assim você sobrevive”. É. O sertão. Eu admiro. Resguardo as dúvidas e finjo exibir só as certezas, ele que se mostre para me carcomer entre sol e lua, e guias e setes e amanheceres. Eu sou puro ruminar.E da alma, os guias. Dos seres humanos, a astrologia, a psicologia e a escola de carinhos que o sertão foi. As cachoeiras de reabastecimento dos cantis de dentro. O terreno! Esse faz de cuscus com obra mal queimada em comida guardada de terceiro dia! Sim! O terreno! Pior em cada passo, tenebroso a cada dia. Com um tanto de íngreme a mais que o joelho não mede, mas a coxa caleja. O areal! A areia. Percebem? Os nossos passos ali são os anos! Todos! Um mais pesado que o outro, e depois do outro, mais areia!! E mais areia e poeira e espinhos novos, des-inventados ainda um mês atrás, certeza tenho! A-há!! O sertão diz! Gargalha de bocejar do óbvio que pra si ele deve que ser talvez. Nós caímos na pegada do sertão. Quando melhorou, pareceu, o buraco veio. Não. O buraco foi. Eita. O buraco ali, é paradoxo, porque é um só e é todos. O buraco vão com a gente! O vão dos buracos, o canto mais resguardado de nascente de rio é o maior labirinto pros pés, os olhos, os ouvidos e as águas. É....... as águas. Quem, tendo vivido, visto, ido, bebido, cheirado, benzido e curado há de ter coragem carecida para decidir escrever em linhas o que é a tal dela? A famigerada. A que salva os dois pontos do título do livro do Rosa. Por favor. Se alguém explicar o que é a vereda, conta-me não. Porque para mim ela só pode ser família. O resto é mato.O sertão, moços e moças. Guardou minha alma. Ele não pediu. Não pactuei. Ela foi sendo ele. E é. Achei que não tinha voltado, que o corpo não queria dar o download. Foi não isso. Foi nada. É que de antes de ir até agora que fui eu estou é indo. E vou. Até que fui.A você, qualquer um que careceu de ter coragem de chegar até aqui, ou loucurinha mesmo, obrigado por ter caminhado em lado mais eu. Você me ampliou por me fazer horizonte seu. Isso eu amo.Até mais ver.
Volta na Ilhabela
Type image caption here (optional)‍Eu frequento a região de São Sebastião no litoral norte de São Paulo desde meu nascimento. Minha família tem casa em Barequeçaba e passei minha infância toda olhando para a Ilhabela, do outro lado do canal, como sendo algo intangível e muito distante.Lembro de quando eu tinha uns 5 anos sempre brincar com uma prancha de isopor juntamente com o meu irmão e sair batendo os pés, cantando alto para a minha mãe escutar, dizendo: “Nós vamos para a Ilhabela, Nós vamos para Ilhabela…” Nos afastávamos poucos metros e ela nos trazia de volta para o “raso”. A gente dava risada e adorava a ideia dessa aventura impossível.Eu me sentia tão a vontade no mar que aos 10 anos de idade, meus pais acharam que eu precisava de um estímulo maior e o meu presente de Natal foi um caiaque de fibra de vidro, enorme, feito para adultos mesmo. Eu ia para remar sozinho, a poucos metros da praia e conforme o tempo foi passando, me arriscava a ir cada vez mais longe. Aos poucos a Ilhabela foi ficando mais “perto” e na adolescência, junto de um amigo mais velho, resolvi cruzar o canal, e de lá para cá fiz isso incontáveis vezes, e nas mais diversas condições: com onda, muito vento, mar de ressaca e até durante a noite.‍Natal aos 10 anos de idade1993 aos 15 anos e a Ilhabela ao fundo‍A nova fronteira para mim, como foi aos 5 anos de idade cruzar o canal, se tornou dar a volta completa na Ilhabela toda remando. Era tão inatingível naquele momento como era na brincadeira da prancha de isopor.Ao longo dos anos fui ganhando mais experiência em remadas longas, em equipamentos, tipos de barcos, campismo, expedições (tanto no mar como na montanha). Fiz longas remadas no meu quintal de casa, a volta da Ilha Grande, e uma remada solo de 6 dias de Paraty até Barequeçaba entre o Natal e a virada do ano de 2017-18. Após essa expedição tive a certeza que tinha chegado a hora de tentar a volta da Ilhabela, eu me sentia no equilíbrio ideal entre: físico, mental e conhecimento técnico.E 1 ano e 3 meses depois, aos 40 anos de idade, com uma vida completamente renovada, uma super companheira ao meu lado e uma filha recém nascida de 30 dias, comecei a remada. Entrei no mar, me despedi dos meus 2 amores e emocionado, comecei a cantar para mim mesmo: “Nós vamos para Ilhabela, Nós vamos para Ilhabela” ‍Saindo de BarequeçabaDistancia: 25,90kmDuração: 5h18 (com parada de 20 minutos no Veloso)Velocidade média: 5km/hCruzei os 4,6km do canal até a praia do Veloso em 45 minutos. À poucos metros da praia tem um lindo parcel de pedras e corais que me fez ficar alguns minutos tirando fotos antes de encostar na areia. Foram 20 minutos fazendo o double check de tudo antes de seguir para a parte pesada da remada desse primeiro dia, que era o trecho Veloso – Praia do Bonete. Daqui para frente não existem mais praias para descansar ou se abrigar, e virando a Ponta da Sela, porta de entrada do Canal de São Sebastião, eu entraria em mar aberto, muito mais exposto ao vento e as ondulações.Segui firme, virei a Ponta da Sela e apesar de ter um pouco mais de vento e ondulação, as condições estavam ótimas para remar. Mas 30 minutos depois comecei a me sentir mal, enjoado e sonolento. Como se eu estivesse de ressaca e bem mais cansado do que eu estaria normalmente… Demorei um pouco para entender o que estava acontecendo, mas aí caiu a ficha. Era a falta de sono acumulada dos últimos 30 dias por ter um bebê recém nascido em casa!‍‍Foi uma luta remar até o Bonete. Cheguei morto, quando desci do barco não conseguia abrir a mão para soltar o remo, por causa de uma câimbra no ante-braço, decorrente do movimento errado que eu estava fazendo para remar em virtude do cansaço.Comecei a questionar se conseguiria continuar no dia seguinte… Normalmente o primeiro dia de uma expedição sempre é mais traumático, a gente está mais ansioso, dorme pouco na noite anterior, sofre mais para seu corpo se acostumar e para a sua mente entrar em sintonia com tudo, mas essa vez foi realmente intenso!‍‍‍Deixei o surfski na areia e fui direto para um quiosque que aparentava ter o que comer. Pedi um PF de peixe fresco e enquanto eles preparavam, eu comi uma lata de salada de batata com atum, estava morto de fome! O Tarciso, dono do quiosque, inclusive ofereceu a sua casa para eu guardar o barco. Muito boa gente.Bom, meu plano foi comer bem, deitar cedo, dormir o máximo possível. E sem pressão, esperar acordar no dia seguinte para sentir como eu estaria e assim seguir o não.‍Decidi ficar em um Hostal e não acampado essa noite justamente para dormir bem. Além disso nesse mesmo dia um amigo que eu e a Marcela fizemos na nossa expedição de carro pela América do Sul chegaria nesse Hostel hoje e eu aproveitei para revê-lo.Segundo dia: Praia do Bonete – Praia de Indaiaúba – Saco do Eustáquio‍Distancia: 33,05kmDuração: 5h30 (com parada de 5 minutos em Indaiaúba)Velocidade média: 6km/hAcordei as 6:00 da manhã me sentindo muito bem! Apesar do calor infernal e dos borrachudos – não existia ventilador no quarto – eu consegui dormir 10 horas, e estava incrivelmente renovado! Preparei meu café da manhã: omelete desidratado, café com leite, pão integral com pasta de amendoim e saí do Hostal. Antes passei em uma pousada que possuía internet para tentar falar com a Marcela e ouvir um pouco a voz da Gabi. Falar com a Má foi a injeção de energia final que eu precisava para entrar no mar com a motivação necessária para enfrentar o que supostamente seria o trecho mais difícil de toda a circum-navegação da Ilhabela: Cruzar a Ponta do Boi e a Ponta da Pirabura.O dia estava lindo, sem vento e sem ondulação. Comecei a remar com o primeiro objetivo de parar na Praia de Indaiauba, que como no dia anterior seria a última parada antes do desafio longo de hoje. Foram 6 km em 45 minutos, e serviu para eu ter certeza que estava bem.‍‍‍Indaiaúba é uma das praias mais lindas da Ilha, se não a mais linda. Tem uma cor de água bem especial, sempre super cristalina e possui uma pequena cachoeira no canto esquerdo que praticamente deságua no mar. A única questão é que essa praia foi “privatizada” por um condomínio de luxo. Tem cameras e seguranças para todo o lado e isso quebra um pouco a magia do lugar.Fiquei 5 minutos e saí remando firme para manter uma média acima de 6km/h. Em 40 minutos cheguei na Ponta do Diogo e a partir desse ponto eu iniciava a parte mais tensa da remada, um longo costão rochoso, exposto as grandes ondulações, vento e fortes correntes.‍O mar começou a balançar bem mais, entrou um leve vento, e eu perdi velocidade, mas considerando o local que estava, a condição era muito boa. 1 hora depois comecei a me aproximar da tão temida Ponta do Boi, o extremo sul da Ilhabela, local de muitos naufrágios e bem conhecida pelos navegantes. Nela existe um grande e lindo farol, cuidado por um faroleiro que vive isolado com a sua familia. Deu para imaginar as tempestades que essas pessoas já viram.Bem na virada do farol eu encontrei dois barcos parados com pessoas pescando, aparentemente turistas. Cheguei bem perto, todos me cumprimentaram, perguntaram o que eu estava fazendo e se eu estava bem. Contei que estava no segundo dia da remada de volta da Ilhabela, que iria remar até a Praia da Figueira e teria mais 2 dias pela frente. Senti um olhar apreensivo do capitão. E em seguida ele me diz:‍Amanhã uma grande tempestade vai chegar, com vento e maré cheia de 1,7m. Avance o máximo que você puder hoje.‍‍Agradeci o conselho, me despedi e continuei remando. Aquele aviso me deixou apreensivo… eu estava acompanhando constantemente as previsões até ontem e a princípio teriam mais 3 dias de tempo bom… Talvez ele estivesse errado ou o tempo realmente iria mudar drasticamente muito antes que o previsto…‍Segui remando para o próximo objetivo: cruzar a Ponta da Pirabura, onde existe também um pequeno farol. Nesse local que aconteceu o maior naufrágio da história do nosso país. Morreram 477 pessoas e foi considerado na época o “Titanic Brasileiro”.A tragédia aconteceu no ano de 1916, quando após um forte temporal, somado a um denso nevoeiro, fez o transatlântico espanhol Príncipe das Astúrias – que transportava passageiros e cargas entre Barcelona e Buenos Aires – se chocar com a laje da Ponta da Pirabura. Essa laje possui 5 metros de profundidade e se extende por uns 200 metros longe da Ponta até cair abruptamente para até 50 metros de profundidade. E foi exatamente nesse degrau que o navio se chocou.Remar sobre a laje da Pirabura foi pior que passar pela Ponta do Boi, o mar estava bem mais mexido e com ondas maiores. Eu ficava imaginando o naufrágio que estava ali, bem embaixo de mim, a loucura que deveria ter sido aquela situação e a tal tempestade anunciada pelo pescador. O que eu mais queria no momento era sair o mais rápido desse lugar! Mirei o barco para a próxima ponta, a Ponta Pirassununga, que é a entrada para a Baia de Castelhanos e segui remando forte!Passando pela Pta Pirassununga, comecei a ver outros barcos e o mar acalmou um pouco. Olhei para dentro da baía e vi lá no fundo a Praia da Figueira à uns 50 minutos de distancia, que era o meu plano inicial de parada e pernoite. Mas o aviso do pescador não parava de martelar na minha cabeça… Olhei para o lado oposto da baia, a Pta da Cabeçuda, quase apagada no horizonte por causa da distância e pensei: Vou seguir o conselho do pescador, cruzar essa baía, dormir em outra praia bem mais para frente e me preparar para terminar essa circum-navegação amanhã! Esse temporal não vai me pegar!Remei por mais 2 horas, e cheguei no Saco do Eustáquio morto e já sem água para beber, mas sabia que a partir desse lugar se no dia seguinte eu remasse com bastante disposição, já seria possível chegar em São Sebastião e concluir a remada.O Saco do Eustáquio é um famoso local de parada de barcos e é o lugar mais abrigado da parte leste da Ilhabela. Lá existe uma pequena comunidade de pescadores com um restaurante que serve frutos do mar e peixe fresco para os turistas que chegam de barco.Contei um pouco o que eu estava fazendo e perguntei se teria algum problema se eu dormisse por lá essa noite. Eles me indicaram a sombra de uma árvore para montar a barraca e disseram que eu poderia usar o banheiro e a ducha da praia. Prefeito para mim!‍Um pouco antes de anoitecer, logo após todos as lanchas e Iates zarparem e a praia ficar vazia novamente, uma senhora veio conversar comigo. Disse que receberam um aviso pelo rádio que amanha iria chegar um temporal e era para eu tomar cuidado. Exatamente o que o pescador da Ponta do Boi havia me dito! Disse também que a previsão era que ficaria bem ruim a partir das 12:00 e que às 10:00 eles iriam sair de lá com um barco de pesca em direção ao continente e que eu estava convidado para ir junto. Agradeci o aviso e o convite, e falei que iria sair amanhã bem cedo para tentar entrar no canal de São Sebastiao antes da virada de tempo e assim ficar seguro, mas se a tormenta adiantar e não tiver condições de remar que eu aceitaria o convite.‍Montei acampamento, comi uma comida pronta embalada a vácuo que eu tinha levado (Vapza), sem esquentar mesmo para não precisar organizar as tralhas de cozinha e me enfiei dentro da barraca de bivaque que parece mais um saco de dormir com varetas do que uma barraca propriamente dita. Mas é super leve e compacta! Para levar no surfski é ideal.Terceiro dia: Saco do Eustáquio – Baía do Araçá (São Sebastião)Distancia: 40,47kmDuração: 8h30 (com 4 paradas de 5 minutos em Jabaquara, Armação, Saco da Capela e Pontal da Cruz)Velocidade média: 6km/hDurante a madrugada, perto das 2:30 começou a cair uma baita chuva e comecei a achar que poderia ser a tempestade chegando. A partir desse horário não dormi mais… E às 5:00 resolvi levantar para começar a remar o quanto antes. Comi de café da manha o resto da batata doce e da carne de porco que tinha sobrado do jantar para não perder tempo, fechei acampamento debaixo de chuva, guardando tudo molhado no barco e às 6:00 em ponto, com os primeiros raios de sol aparecendo no horizonte comecei a remar!‍O objetivo inicial era passar pela Ponta Grossa, parar na praia do Poço – 10 km para frente – e ir avançando de praia em praia conforme fosse possível. O mar estava liso, com uma chuva fina e constante que refletia o laranja do nascer do sol. Uma cena linda! Vi uma tartaruga logo que sai da baía do Saco do Eustáquio e estava me sentindo muito bem naquela hora, apesar de todo o suspense e tensão da chegada da tempestade, estava muito feliz de estar ali, foi o momento mais lindo de toda a expedição.Remei por 1h30 passando a Ponta Grossa e ao invés de parar na Praia do Poço resolvi continuar remando. 30 minutos depois passei na praia da Fome e foi a mesma coisa, estava me sentindo forte e o mar estava bom e coloquei uma próxima meta: chegar na próxima praia. E assim 2h30 e 16km depois de Sair do Eustáquio aportei na areia da Praia do Jabaquara.Pisei na areia e tive uma breve sensação de que já tinha escapado do pior, e que daqui para frente seria tranquilo, lá pegava até sinal 3G! Mas poucos minutos depois começou entrar um vento Sul forte que me fez cair na real instantaneamente. Estava chegando o temporal e eu não conseguiria virar a Ponta das Canas – local famoso para os velejadores por causa dos ventos fortes – se esse vento sul aumentasse de intensidade. Não fiquei nem 5 minutos descansando e sai remando bem forte com a próxima meta de chegar na Praia da Armação!Quanto mais eu me aproximava da Ponta das Canas mais o vento apertava, a situação da remada mudou completamente. Eu remava o máximo possível colado nas rochas para me proteger do vento e não dava para saber se seria possível chegar ou se eu teria que voltar a favor do vento e ficar na Praia do Jabaquara até a tempestade parar, o que poderia levar alguns dias. Resolvi colocar o máximo de energia possível, remando bem forte para chegar o quanto antes na Armação, sem poupar esforço, pois lá a Marcela poderia chegar de carro para me pegar se fosse preciso e estaria em segurança.Levei 1h20 para remar 7,5km, e chegar na Praia da Armação. Fui bem rápido, me custou bastante energia, mas eu estava em uma situação bem mais controlada agora. Foram no total 24,50km em 3h45 de remada desde do Saco do Eustáquio. Liguei para a Marcela, falei que estava tudo bem e que a partir de agora eu iria seguir tentando avançar o máximo que desse em direção a Barequeçaba e que caso a situação ficasse impossível eu avisaria para me pegar em algum lugar.Segui remando contra o vento costeando a Ilhabela por mais 1h30 e parei para descansar um pouco depois do centro. Naquele momento entrou um sol e o vento diminuiu, e eu pensei: Essa é a hora de cruzar os 5km do canal em direção ao continente! Pulei literalmente no surfski e sai remando forte mirando o centro histórico de São Sebastião. Mas parecia piada, literalmente 50 metros após, entrou o vento mais forte do que nunca. Eram 11hs da manha e a tempestade de vento sul com maré cheia de sul tinha chegado de vez e bem quando eu estava no meio do canal!‍Chuva e ventoColoquei novamente tudo que eu tinha e o que eu não tinha de energia para sair daquela situação. O mar estava parecendo uma máquina de lavar e eu estava sendo arrastado para o norte. Não conseguia ter certeza se apesar disso eu estava avançando lateralmente em direção a costa oposta, e isso era bem tenso. Comecei a considerar um plano B de virar em direção a Caraguatatuba e remar a favor do vento até alguma praia distante. Tentei mais um pouco e percebi que existia uma potencia de remada que se fosse mantida eu estaria avançando, mas que se fosse menor eu andaria para trás. Foquei o olhar em uma casa laranja, equilibrei meus pensamentos e remei com tudo! 1h15 depois cheguei na praia do Pontal da Cruz, ha 2,5km ao norte do lugar que eu pretendia chegar ao começar a travessia do canal!Descansei por 15 minutos e resolvi continuar remando em direção a Barequeçaba. Fui avançando lutando contra o vento até passar pelo porto aonde a Balsa cruza o canal. Esse é o local aonde possui a corrente mais forte de todo canal de São Sebastião e eu me deparei de uma vez por todas com a temida combinação de Vento com maré cheia vindo da direção Sul. Lá, acho que entrei no olho da tempestade. Parei eu uma prainha micra que nem nome tem, a apenas 200 metros da praia Preta e liguei para a Marcela avisando para ela me pegar nessa próxima praia. Apesar de estar a uns 3km de Barequeçaba não tinha como seguir mais. Totalmente impossível para um barco a remo seguir naquela direção. Disse que em 15 a 20 minutos chegaria.Mas quando voltei para o mar para remar esses últimos 200 metros, a mãe natureza acho que resolveu me dar uma basta! Entrei em uma corrente que parecia que eu estava em uma corredeira fazendo rafting, só que no contra-fluxo. Remei na intensidade máxima que eu conseguia! Comecei a gritar de força, mas se passaram 5 minutos eu não tinha saído do lugar! O jeito era atracar na baia do Araçá, a poucos metros antes e encontrar a Marcela por lá. Virei o surfski a favor do vento e como um foguete, cheguei nessa baia, em uns 2 minutos acho. Parei no quintal de uma casa de pescador que me ajudou a tirar o barco da água. Eu já estava no mar remando ha 8h30! sendo que metade disso foi lutando contra o vento!‍E assim terminei a circum-navegação da Ilhabela sozinho em um Surfski em 3 dias. E a credito que fui a primeira pessoa a fazer isso dessa forma (sozinho e em um surfski).Não terminei em Barequeçaba como gostaria e estava projetando na minha cabeça, com um final triunfante com a minha filha e minha mulher me esperando na areia e todos os louros imagináveis, mas completei a circunferência toda da Ilhabela e voltei para casa em segurança! Se aventurar na natureza é assim nossas expectativas são sempre um mero detalhe!Dedico essa aventura a minha filha Gabi que fez 30 dias de vida no dia que eu completei a expedição. Te amo filha!‍DicasSempre tento incluir no planejamento começar o dia com uma primeira parada após 1 hora de remada, pois esses minutos iniciais são o momento de testar tudo, equipamento, posição, roupas e etc. assim você terá tempo para ajustar o que precisar antes de algum longo trecho sem possibilidade de paradas.Converse com os moradores locais. As informações mais preciosas sempre saem dai.Equipamentos2 pares de remos1 colete salva vidas1 Spot Gen3leash para remo e barcoSurfski Epic V7Saco estanque de 50 LApito, cobertor de emergencia, espelho refletor, bússolaRelógio Garmin Fenix 5XHead lampBarraca Bivaque The North FaceIsolante Térmico e sleeping bag extra leveFogareiro Aztec, talheres, pederneira e isqueiroBoné, camiseta manga longa proteção UV, óculos de sol e protetor solarRepelenteRecipientes para pelo menos 3 litros de águaBaterias portátil, Celular, Gopro Hero6‍‍‍
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